Os cientistas são os cidadãos mais preparados para assumir erros e acertos, o que os torna mais confiáveis para orientar as tomadas de decisões
Afinal o que é ciência? E qual seu papel na reconstrução do nosso país? Estes são os temas que o Instituto Serapilheira e a Maranta Inteligência Política propuseram para que, neste mês de julho, cientistas ocupassem espaços cedidos por colunistas para ampliar esta discussão e reflexão. Agradeço à colunista Januária Cristina Alves que versa sobre educação midiática e literária e ao Nexo pelo convite.
Durante a pandemia, as ciências ficaram evidenciadas para a sociedade brasileira, tanto na saúde, com a criação de vacinas e curas, quanto na tecnologia, pela virtualização social via e-commerce, mídias digitais e as reuniões.
A ciência é a que mais sabe o que não sabe. Logo, é a mais confiável, e por isso é base para recomendações e, pela sua previsibilidade metodológica, deve ser seguida. Desde o início de nossa civilização o ser humano se pergunta sobre o sentido de nossas vidas: O que é a vida? Do que é feito o universo? De onde viemos? O que nos adoece? E, atualmente, como equilibramos nossa sanidade mental? Então, ao fazermos perguntas, a maiêutica socrática nos propiciou o surgimento de seres capazes de observar o mundo ao seu redor, questionar e propor explicações para os fenômenos e eventos. Assim nasceu a filosofia e, dela, a ciência. Então, quem tem pergunta, está na consCiência.
A ciência tem seu modo de analisar, explicar e descrever o que existe e a isso chamamos de método científico. Para esta metodologia, tudo tem que ser testado e conferido, demonstrando estabilidade e replicabilidade, assegurando a previsibilidade da pesquisa e sua credibilidade é alcançada somente após publicação revisada por outros cientistas. Ao acessar o manuscrito científico, absorvemos o conhecimento com segurança epistêmica e assim, podemos divulgá-lo e aplicá-lo em prol da evolução da vida. Portanto, em tese, os cientistas são os cidadãos mais preparados para assumir erros e acertos, o que os torna mais confiáveis para orientar as tomadas de decisões, e também para a construção do projeto de futuro para uma nação. São os técnicos e especialistas que devem compor todos os governos.
Sem ciência não há inovação tecnológica e, portanto, uma cultura não evolui. Deste modo, dentre as várias culturas que habitam este planeta no século 21, algumas vivem como no século cinco, outras na idade média e algumas poucas já vislumbram, com suas consciências, a sustentabilidade do planeta do século 22.
E no Brasil, em qual tempo vivemos? A olhar para nossos cientistas, no século 21, pelos grandes feitos que têm realizado, como a equipe da doutora Esther Sabino, da USP (Universidade de São Paulo), que sequenciou o Sars-CoV-2 em 48 horas, antes que muitos países mais desenvolvidos e ricos. E por que conseguimos tal façanha entre tantas outras? Por que nossos governantes, por meio de recursos dos impostos que todos pagamos, são obrigados por lei a promover o desenvolvimento do país, fomentando universidades e instituições de pesquisa e seus cientistas, gerando riqueza em patentes, reputação tecnológica e mercados competitivos. E o mais importante, trazendo orientações e informações para a evolução na política, economia, educação, saúde, meio ambiente e cultura visando a segurança, o bem-estar e a preservação da vida de nossos cidadãos, indicadores de prosperidade de uma nação. Sem pesquisa, a nação vive uma estagnação, nada vai para frente e há chances de decadência.
A CIÊNCIA É A QUE MAIS SABE O QUE NÃO SABE. LOGO, É A MAIS CONFIÁVEL, E POR ISSO É BASE PARA RECOMENDAÇÕES
E qual é o grande problema dos cientistas brasileiros? A cada novo governo, há governantes com orientação mais pró-ciência e aqueles que são anticiência, como o atual governo, levando a desmanches de pesquisas, causando desperdício de verbas públicas, atraso científico e empobrecimento geral da nação. É como fazer um bolo faltando ingredientes: ou ficará menor ou sem sabor, ou menos nutritivo ou inviável de ser realizado. E é assim que estamos: temos excelentes cientistas, laboratórios e equipamentos, mas os recursos financeiros previstos para salários dignos e para o exercício do método científico estão sendo desviados por manobras fiscais e políticas. E tal qual tantas outras incoerências da gestão pública numa sociedade do cansaço, estamos passivos, desorientados.
E o que isto acarreta ao país? Involução no desenvolvimento de novas tecnologias e perda de capital humano competitivo para outras nações. Tudo isto impacta diretamente nossa população, mantendo-a carente e deficiente, sem acesso às novas tecnologias que poderiam apoiar o progresso das nossas vidas, e que poderiam nos dar mais chances de sobreviver, de nos educarmos, e prosperarmos rumo a um futuro mais saudável e a uma nação mais forte e pacífica, com menos fome, medo e intolerância. Estamos mais pobres, mais fracos e pior, mais briguentos neste momento. Temos mais fome de apoio, de alimento, de segurança e de esperanças.
E o que podemos fazer? Primeiro, precisamos urgentemente nos reconciliarmos conosco, recuperando nosso autoapreço e nossas relações afetivas e respeitosas. E revermos nossas escolhas. Saber escolher e tomar decisões é algo que se expressa em nossas vidas desde a maneira como nos cuidamos, o que comemos, o que bebemos, o que consumimos, sobre o que conversamos, com quem dialogamos, trocamos conhecimentos, estabelecemos relações afetivas, comerciais, culturais, religiosas. Saber escolher determina o futuro que queremos e, pelo voto, temos a oportunidade de selecionar o político que se identifica com nossos valores, projeto de vida e o bem comum. Ao elegermos alguém, o autorizamos para que nos represente, tanto propondo leis, no Legislativo, como para executá-las, no Executivo, para gerir recursos públicos que estejam alinhados aos nossos valores e ética. Uma decisão ruim e ignorante trará danos a muitos. Nações e civilizações pereceram por este motivo. Não há atalhos no caminho para a boa prática da governança e compliance na ciência, na gestão pública e na vida humana, assim como não há um único remédio para uma moléstia, de maneira geral.
Escolhas são algo que fazemos no passado e nos são reveladas no futuro. E o método científico nos ensina a fazer perguntas para escolhermos pela experiência e pelo conhecimento. É necessário sabermos escolher governantes e legisladores que apoiem comprometidamente as ciências e a tecnologia neste país e não suas ideologias que enriquecem somente seu núcleo. Reconhecer tais políticos é um dever e compromisso de cons(Ciência) que todos nós precisamos ter. É preciso refletir qual consciência temos agora no presente e que responsabilidade assumimos ao escolher nossos governantes. Listar e criterizar quais os valores e virtudes que queremos de um presidente, senador e deputado. Já há aplicativos que nos ajudam a identificar políticos e sua plataforma política. Qual sua biografia, o que já fez, com quem anda, quais seus hábitos, sua formação, seus interesses, seu passado, suas riquezas, seus conhecimentos e se já tiveram experiência política, se promoveram desenvolvimento social, econômico e de crescimento do nosso país. Estas pessoas devem ser eleitas pelos mesmos princípios e valores daquelas que convidamos para nossa casa e sentamos juntos, por isso, precisamos confiar e querer bem. Você sentaria junto com quem votou da última vez?
Januária Cristina Alves é mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews – Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação – ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.