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Escola: lugar de fala, diálogo e discussão sobre ‘temas difíceis’

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  • Post publicado:11 de agosto de 2022
  • Categoria do post:Artigos

Professores buscam maneiras criativas e eficazes de abordar assuntos complexos em sala de aula, dentre eles, a política

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Nos últimos dias, tive o privilégio de integrar o júri do Prêmio Professor Transformador, promovido pela Bett Brasil e o Instituto Significare, cujo objetivo é identificar, valorizar e divulgar experiências educativas transformadoras de professores de todo o Brasil. Dentre diversos projetos interessantes e inovadores a que tive acesso, destaco um que me chamou atenção por retratar um cenário que tem se tornado comum em nossas escolas: o desafio de se trabalhar questões que envolvem política em sala de aula. E, nesse caso, a política refere-se mais especificamente à política partidária e à atividade dos políticos nas esferas administrativas do país, à sua conduta, postura e sobretudo, à polarização que temos presenciado diariamente seja em casa, nos clubes e agremiações e também nas escolas. O projeto da professora Karina Pinto, da Escola Estadual José Ferreira Maia, da cidade de Timóteo, em Minas Gerais, intitulado “Câmara Mirim 2019” levou a política para o ambiente escolar porque a professora identificou diversas situações de intolerância, desrespeito, discriminação e preconceito entre as crianças da sua sala, que tinham entre 9 e 10 anos.

Segundo a educadora, “após as eleições presidenciais de 2018, ainda podia-se notar tensões dentro da sala de aula em uma turma de 26 alunos bem participativos, porém, com dificuldades em respeitar o ponto de vista uns dos outros. Durante as aulas de história e os estudos sobre a República, os Três Poderes, a democracia, a ditadura, a construção de Brasília, entre outros temas, os ânimos dos alunos se alteravam. Nomeavam alguns colegas com o nome de políticos, evidenciando suas ações ou comportamentos de uma forma inadequada. Se por um lado ficava espantada com a situação, por outro, vi a oportunidade de alinhar uma proposta de projeto em que pudéssemos aprender juntos sobre os valores democráticos e de coletividade, representação política, (…) de forma que a tolerância e o respeito vigorassem na escola e fora dela”. Durante a apresentação de seu projeto para o júri, a professora Karina fez questão de frisar que, em que pese ter tido total apoio da direção da escola, muitos acharam que ela iria enfrentar um desafio imenso ao abordar um tema delicado e polêmico como esse. Mesmo assim, ela optou por seguir em frente por acreditar que a escola é o lugar mais apropriado para se trabalhar a convivência entre os diferentes, o diálogo e a livre expressão de ideias aliada ao respeito ao outro.

A professora Karina não está sozinha quando se trata de buscar e encontrar maneiras criativas e eficazes de abordar os tais “temas difíceis” na sala de aula, e a política é um deles, mas some-se a ele as questões antirracistas, de gênero, de saúde mental, e por aí vai. A lista não é pequena. Casos como o da Escola Avenues em São Paulo têm sido frequentes. Lá, um aluno discordou do professor e da convidada que debatia também uma questão relacionada à política e, com isso, gerou uma discussão dentro e fora da escola sobre o lugar que esses assuntos ocupam (ou devem ocupar) na educação de crianças e jovens, e qual deve ser a postura do professor diante deles. Em um artigo publicado na Folha de S.Paulo, a educadora Sonia Barreira, fundadora da Escola da Vila em São Paulo, traz uma reflexão sobre a conveniência ou não da neutralidade do professor, especialmente quando se trata de abordar temáticas dessa natureza: “Se queremos formar jovens que saibam ler o mundo, debater, construir opiniões e conseguir expressá-las, precisamos admitir que entrar em contato com posições divergentes é parte do processo educativo”. Vale trazer ao debate um teórico do tema, Jaume Trilla, da Universidade de Barcelona: “Há os que acreditam que os professores devem exercer seu papel de maneira neutra; há outros que pensam que neutralidade não é apenas educacionalmente indesejável, mas uma pretensão lógica e praticamente impossível”. Nesse sentido, enfatizo uma reflexão fundamental feita pela professora Karina, ao avaliar o resultado do seu trabalho: “O impressionante é que eles descobriram que respeitar a opinião do outro não é desfazer da sua. [Para isso acontecer] foi preciso dar voz aos alunos, de modo que eles fossem os protagonistas e estivessem engajados no desenvolvimento de práticas geradoras de transformações dentro e fora da escola”.

A ESCOLA É O LUGAR MAIS APROPRIADO PARA SE TRABALHAR A CONVIVÊNCIA COM O DIFERENTE, O DIÁLOGO E A LIVRE EXPRESSÃO DE IDEIAS ALIADA AO RESPEITO AO OUTRO

 

O que vemos no ambiente escolar ocorre também nas redes sociais, hoje a grande arena dos debates acalorados, das discussões apaixonadas e, infelizmente, terreno privilegiado da intolerância e do discurso de ódio. O mundo on espelha o offline e por isso faço questão de lembrar da importância da Educação para as Mídias como instrumento importante para abordagem desses “temas difíceis”. O universo online propicia um exercício diário e constante de entender o nosso lugar de fala e o do outro, da importância de ouvir qualquer pessoa buscando compreendê-la e às suas posições, por mais contrárias às nossas que sejam. As oportunidades e desafios propiciados pela nossa atividade na internet e em especial nas redes sociais, podem ser uma inspiração e uma ferramenta para além de utilitária, não apenas para a prática da cidadania digital, mas sobretudo para formar crianças e jovens que saibam argumentar, construir seu pensamento e visão de mundo de forma crítica, criativa e ética, expressando suas opiniões de maneira respeitosa, compreendendo, sobretudo, a importância do contraditório para a ampliação do seu repertório de leitura de tudo o que acontece ao seu redor.

O tal lugar de fala, a tão sonhada liberdade de expressão passa, inevitavelmente, pelo reconhecimento do direito inerente ao ser humano de comunicar-se e expressar-se, pelo reconhecimento de valores imprescindíveis para a convivência em sociedade como a democracia, a pluralidade, a convivência com o diferente o diverso e sobretudo, pelo rigor e a responsabilidade na construção das ideias, de maneira que, sejam elas uma mera opinião ou não, devam ser elaboradas baseadas em argumentos sólidos, amparadas pela pesquisa séria e comprometida com a verdade, por meio da apresentação de evidências comprováveis. A escola e a prática da Educação Midiática podem ser um excelente começo de conversa. Literalmente.

Januária Cristina Alves é mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews – Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação – ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.