Nos últimos meses tive o privilégio de elaborar, em parceria com o Redes Cordiais – uma organização de Educação Midiática dedicada à formação de influenciadores digitais – o #influencerdigitalnareal – Guia para criadores de conteúdo infantojuvenil, disponível para download gratuito no site da instituição. Essa experiência incrível me trouxe para mais perto do universo dessas pessoas comuns que, na maior parte das vezes, de modo intuitivo, “caem na rede” e viram influenciadores digitais, com milhares, milhões de seguidores. O mundo glamuroso, à primeira vista, traz em si uma série de desafios e situações complexas a enfrentar. Especialmente se o público é o infantojuvenil, que está em formação e é sabidamente mais suscetível à desinformação e aos conteúdos preconceituosos e até violentos.
Como disse Fernanda Martins, do InternetLab, na palestra que deu para um grupo de influenciadores convidados pelo Redes Cordiais para compartilhar suas experiências, no Brasil há múltiplas infâncias e adolescências. As desigualdades do mundo offline se mostram também no universo online: temos 90% das crianças e adolescentes brasileiros conectados à rede mundial de computadores, mas há 1,8 milhões deles que não são usuários da internet e 4,8 milhões que vivem em locais onde sequer existe acesso à ela. Além dessas diferenças estruturais, há dados preocupantes apontados pelas pesquisas sobre os riscos e danos da participação desse público no meio digital. Juliana Cunha, da Safernet, que também esteve presente no evento, mostrou um levantamento feito em 2019 pelo Centro Regional de Estudos do desenvolvimento da Sociedade da Informação no qual revela-se que 43% das crianças e jovens entre nove e 17 anos já viu alguém ser discriminado na internet, 7% já se sentiu discriminado e, em que pese as experiências desagradáveis que possam ter tido nas redes, entre os que têm entre 11 e 17 anos, 25% tentou passar menos tempo na internet e não conseguiu. Ou seja, os influenciadores digitais possuem, de fato, uma enorme responsabilidade com relação ao conteúdo produzido. O que eles postam contribui para que seu público não apenas permaneça conectado – 24% do público da pesquisa diz que sente que passou menos tempo com a família, amigos ou fazendo a lição de casa porque ficou entretido nas redes – mas também para que veja o mundo a partir da ótica deles.
TRAFEGAR NA REDE IMPLICA FAZER ESCOLHAS, INSPIRAR E, PORTANTO, INFLUENCIAR. MESMO PARA QUEM NÃO PRODUZ NENHUM TIPO DE CONTEÚDO, HÁ UMA RESPONSABILIDADE EMBUTIDA EM CADA CURTIDA
Os influenciadores são espelhos para seus seguidores. Segundo o professor David Buckingham, da Loughborough University e da Universidade de Londres, um dos maiores especialistas contemporâneos no estudo das relações entre crianças, jovens e as mídias, na entrevista que me concedeu, o sucesso dos influencers infantojuvenis é algo a ser observado com muita atenção: “Acho que é um fenômeno particularmente fascinante porque trata-se de jovens falando para outros jovens. A maioria dos influenciadores, em muitos casos, são adolescentes ou pessoas um pouco mais velhas falando com esse público. É interessante observar que eles trazem uma representação (…) eles estão nos contando uma história sobre o mundo em que vivemos. E também estão contando aos jovens, a história do que significa ser jovem nos dias de hoje. É importante que eles [os influenciadores] percebam isso”.
Em sua palestra, Juliana Cunha fez questão de frisar que os influenciadores possuem uma responsabilidade relevante em tornar a internet um ambiente mais saudável e diverso, ainda que seu conteúdo seja apenas para entretenimento. “Furtar-se de temas espinhosos nem sempre significa se isentar de responsabilidade por aquilo que vocês fazem. Por isso é tão importante reconhecer o seu papel e o que você pode fazer para tornar a internet um ambiente melhor”, afirmou para os influenciadores presentes no evento.
Por outro lado, a elaboração do guia também me fez refletir sobre o fato de que, “na real”, todos somos influenciadores. Já há algum tempo que a questão dos números passou a ter menos importância quando se avalia o poder de influência de quem está nas redes sociais. Hoje já se fala em “micro influenciadores” ou até em “nano influenciadores”:aqueles indivíduos que se comunicam com um público muito específico. Quem está nas redes e possui seguidores, tem um compromisso com seu público. De like em like, de seguidor em seguidor, de “amigo” em amigo, todos nós somos influencers. Parafraseando o ditado popular: “Caiu na rede, é influenciador”, não importa o número de amigos ou de likes nas postagens. Trafegar na rede, por si só, implica em fazer escolhas, em inspirar e, portanto, em influenciar. Mesmo para quem está só “passeando”, sem produzir nenhum tipo de conteúdo, há uma consequência embutida em cada curtida que a pessoa realiza. “Você tem noção do peso de um like? É como se você fosse sócio daquele post”, disparou a influencer digital Camila Coutinho em uma entrevista à revista Gama. Ela tem mais de 2,5 milhões de seguidores e se diz preocupada com a situação pela qual passa a internet: “Vivemos um momento em que todo mundo quer ter a opinião absoluta, e não é bem assim. Temos que respeitar a opinião do outro, por mais que ela seja diferente. É por isso que chegamos a níveis tão feios de debate nas redes sociais — todo mundo quer lacrar, terminar a discussão. E não é assim, nunca acaba, é uma conversa”, declara ela, que na entrevista afirma que nunca foi “cancelada” porque sabe estabelecer conexões baseadas na escuta atenta do outro.
O fato é que ninguém passa impunemente pelas redes sociais em tempos de desinformação como esse em que vivemos. Todos estamos aprendendo a nos comportar ali. Escudados pelo anonimato, muitas vezes nos surpreendemos tendo atitudes online que jamais teríamos offline. Isso é algo para prestarmos atenção redobrada. Todos fazemos parte desse ecossistema, com muitos ou poucos seguidores, somos influenciadores digitais e temos algum poder em inspirar as pessoas nesse ambiente. Por isso, é importante nos perguntarmos qual é o nosso propósito em estar ali. Se temos esse poder, é fundamental que saibamos de forma muito clara e transparente o que queremos fazer com ele.
Januária Cristina Alves é mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews – Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação – ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.
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