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Todos contra a desinformação: você também é responsável

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  • Post publicado:18 de agosto de 2022
  • Categoria do post:Artigos

O Prêmio Knight Internacional de Jornalismo 2021, um dos mais importantes reconhecimentos da imprensa global, foi concedido nesta terça-feira (9) a uma jornalista brasileira, Natália Leal, dirigente da agência de checagem de fatos Lupa, cujo trabalho é dedicado ao combate à desinformação e às fake news. Sinal dos nossos tempos, em que a desinformação é um dos grandes problemas enfrentados pela humanidade. A concessão do prêmio demonstra o tamanho dessa questão no Brasil, a ponto de ter chamado a atenção do ICJ (International Center for Journalists), responsável pela escolha da profissional.

“A desinformação é um problema social, a ponta do iceberg de uma realidade de desigualdade em muitos sentidos, de falta de acesso a serviços básicos e impossibilidade de construção de um conhecimento sólido e emancipador da maioria da sociedade. Como boa parte dos problemas que temos no país, a desinformação está também ligada à desigualdade social, que impede o exercício pleno da cidadania. Se a pessoa não tem acesso a informação de qualidade, é mais difícil tomar decisões acertadas, ter uma vida mais digna”, afirmou Natália em entrevista ao UOL.

As implicações de toda ordem do problema da desordem informacional – ética, econômica, social, de saúde e sustentabilidade ambiental – também levaram o grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade, ligado ao IEA (Instituto de Estudos Avançados) da Universidade de São Paulo, a organizar um evento online como parte das atividades da Semana Global da Alfabetização Midiática e Informacional 2021, estabelecida pela Unesco cujo tema foi “Os desafios do jornalismo e da educação midiática face ao cenário de desinformação no mundo”. Fui chamada para ser uma das debatedoras ao lado de outros jornalistas e de Claire Wardle (diretora da americana First Draft, organização sem fins lucrativos que trabalha em soluções para os desafios associados à confiança e verdade na era digital) e Alexandre Amaral (coordenador na Aliança Global para Alfabetização de Mídia e Informação da Unesco), que compartilharam os principais desafios que enfrentam em seus projetos ao combater a desinformação por meio da Alfabetização Midiática.

PRECISAMOS APRENDER A SER AQUELES QUE SÓ OPINAM BASEADOS EM EVIDÊNCIAS SÓLIDAS E QUE SÓ COMPARTILHAM INFORMAÇÕES DEVIDAMENTE VERIFICADAS

Em sua fala, Claire destacou cinco aspectos importantes sobre o fenômeno da desinformação: as chamadas fake news deixaram os espaços chamados “outsiders” e migraram para a grande mídia; se disseminam facilmente pelos aplicativos e grupos fechados de mensagens, dificultando o rastreamento, o controle e a regulação dessas trocas; os conteúdos visuais (vídeos, memes, etc.), que viralizam mais facilmente também são difíceis de serem monitorados; o discurso de ódio se aproveita dessa desordem, ajudando na propagação dos preconceitos e por fim, ela frisou que, no geral, as pessoas encontram dificuldades em obter informações confiáveis dado o deficit de dados verificáveis que ocorre na internet. Segundo ela, como já sabemos o terreno pantanoso em que estamos pisando, temos de usar a “teoria das vacinas” para prevenir essa infodemia. Ou seja, todos somos responsáveis não apenas em combater esse fenômeno, mas também em preveni-lo, usando técnicas específicas, como ouvir os argumentos de quem acredita nas notícias falsas e tentar mostrar as informações acuradas sobre aquele assunto, por exemplo. Ou ainda, explicar àqueles que acreditam nas teorias conspiratórias quem ganha com a viralização desse tipo de conteúdo, mostrando que há vários interesses em jogo quando se trata desse assunto.

Já Alexandre Amaral trouxe três grandes desafios a serem enfrentados para vencer a epidemia de notícias falsas, especialmente nos países com maior desigualdade social: a falta de acesso à tecnologia; de recursos financeiros e educacionais; e a ausência de confiança nas mídias. Ele compartilhou um estudo de caso da Digital Empowerment Foundation, realizado em uma pequena cidade da Índia, no qual a infraestrutura adequada à comunicação que facilitou o acesso à internet, somada à formação de jovens empreendedores em educação midiática para que oferecessem serviços na área de saúde, educação, qualidade de vida, finanças e entretenimento para a comunidade, e uma mentoria (também em educação para as mídias) voltada aos líderes locais, para que construíssem um canal de diálogo confiável na comunidade, trouxe resultados tangíveis, reduzindo sobremaneira a hesitação vacinal. Treinando 35 mil influenciadores digitais daquela comunidade, eles contribuíram para a redução da desinformação, do discurso de ódio e da violência local. A campanha, intitulada “Lutando contra as fake news: de quem é a responsabilidade?” fez o apelo apropriado, chamando os cidadãos a pensarem qual o seu papel nesse ecossistema altamente contaminado.

A tônica do nosso debate, bem como a opinião da jornalista Natália Leal, ganhadora do prêmio, é a mesma: o problema é estrutural e depende de uma ação ampla e conjunta de todos os setores da sociedade. A educação para as mídias precisa chegar em todos os cantos e das mais diversas maneiras. Não apenas como técnica de leitura e interpretação de notícias, ou de checagem dos fatos, mas sobretudo como um trabalho de mudança de postura diante deles: precisamos aprender a ser aqueles que só opinam baseados em evidências sólidas e que só compartilham informações devidamente verificadas.

Exercitar o desapego de nossas certezas e vieses de confirmação deve ser um comportamento cotidiano e um aprendizado contínuo, ainda mais em um mundo veloz e complexo como esse em que vivemos. A luta é contra os algoritmos que nos enredam nas nossas predileções, mas é também contra o nosso desejo de validar as nossas crenças. Afinal de contas, ouvir o outro despido de julgamentos, analisar a realidade de maneira objetiva e tomar decisões baseadas em uma consciência crítica sempre será um dos grandes desafios do ser humano. Com ou sem as redes que nos tecem e que também ajudamos a tecer.

Januária Cristina Alves é mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews – Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação – ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2021/Todos-contra-a-desinforma%C3%A7%C3%A3o-voc%C3%AA-tamb%C3%A9m-%C3%A9-respons%C3%A1vel
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